No dia 14 de março completamos três dolorosos anos sem respostas pelo brutal assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, no Rio de Janeiro. Três anos em que um carro oficial que carregava uma autoridade foi alvejado de tiros no meio da rua, na região central da segunda maior cidade do país, às nove e meia da noite, e ninguém foi responsabilizado como mandante do crime.
Em qualquer lugar do mundo onde pessoas negras são reconhecidas na sua humanidade, ficariam todos chocados, toda a sociedade, sem exceção de nenhum grupo, se envolveria na comoção pública em torno do caso e faria pressão para que o crime fosse investigado e os envolvidos devidamente responsabilizados. Ou, numa situação ideal, essas mortes sequer teriam acontecido, já que as disputas de poder seriam tratadas democraticamente, no campo do debate de ideias, e todas as autoridades que trabalham em nome do Estado teriam a proteção da sua vida garantida.
O absurdo desse caso e o desinteresse da quase totalidade da sociedade brasileira em resolvê-lo escancara a força política que grupos paramilitares organizados têm em interferir na democracia, utilizando, principalmente, a violência – que deveria ser monopólio do Estado – como recurso para garantir a concretização de seus interesses. As milícias têm influência no Estado brasileiro! Quem mandou matar Marielle tinha certeza da impunidade e o aval das autoridades interessadas na sua saída do cenário.
Mas o que ninguém esperava era que Marielle virasse semente. Quem mandou matar Marielle e todos os interessados em sua morte subestimam nosso poder revolucionário, nossa inteligência e força. Além do breve tempo como vereadora que teve uma trajetória exemplar como defensora dos direitos humanos, Marielle foi uma mulher mãe, bissexual, feminista negra, graduada em ciências sociais e mestre em administração pública. A figura inspiradora de Marielle é fruto de anos e anos de luta antirracista e feminista travados por quem veio antes de nós e nos deixou um legado de liberdade, da continuidade de uma caminhada secular, que tem cor e gênero.
Marielle (e muitas outras) é eleita em um momento de efervescência política, de mais um levante antirracista e feminista, tal como a Marcha das Mulheres Negras de 2015, que foi organizada pelas mais diversas frentes de mulheres negras em busca da garantia de direitos, de protagonismo político e participação efetiva na vida pública. Eu mesma estive presente e engajada nas manifestações de 2015, e muito da minha eleição à vereadora se deve à luta feminista e popular que se fortaleceu naquele ano. A luta de mulheres negras é ancestral.
Marielle foi morta em praça pública para simbolizar qual é o lugar destinado àquelas que ousam levantar a voz contra o poder vigente. Uma tentativa de controle por meio do medo, típicas da política de morte que tanto falamos hoje. A intenção era sacrificar uma para amedrontar as demais. Tanto é que, também como desdobramento desse levante, ocorreu a ofensiva neofacista e conservadora em diferentes lugares do mundo, no Brasil inclusive, com o golpe contra a primeira mulher a ocupar o cargo mais alto do país.
Mas o que eles não entendem, é que vem de longe a fagulha que aquecia o coração de Marielle a tornando incansável em seu trabalho, e continua acesa em muitos corações. O assassinato de Marielle tornou-se símbolo da nossa luta, que remonta à resistência preta e indígena dos tempos coloniais, e segue nas ruas, nas casas e nos gabinetes do povo, os 99%, que carrega nas costas o sustento e o progresso desse país, povoado a partir do estupro de nossas antepassadas.
Eu sou porque nós somos é a máxima que nos guia. Marielle, seu trabalho impecável, sua vida repleta de luta e amor se foram, mas permanecem presentes inspirando pela sua trajetória de luta pelo povo, pelas mulheres, pela negritude. Ela se transformou em semente, a mesma da qual ela se originou, e gerou novos frutos em muitos lugares.
Justiça por Marielle também é justiça para o nosso povo, é a luta pelo feminismo para os 99%.
Iza Lourença é vereadora em BH pelo PSOL
Edição: Elis Almeida
Fonte: https://www.brasildefatomg.com.br/2021/03/15/por-marielle-quero-justica